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Jun 01, 2023

Michael Dango sobre a arte de Lygia Pape

ESTAMOS PERTO do aniversário de cinco anos do incêndio no Museu Nacional do Brasil que devorou ​​quase vinte milhões de artefatos. Já conhecemos as causas imediatas e semi-imediatas desta catástrofe antropológica, arqueológica e artística, desde a instalação elétrica inadequada que levou ao curto-circuito de um ar condicionado, à falta de aspersores, ao descaso sistemático ( sob a bandeira da austeridade) das instituições culturais do Brasil, ao aquecimento global que exigiu a instalação do ar condicionado para começar. Entre os tesouros perdidos no incêndio estava uma coleção de objetos que serviram de base, quarenta anos antes, para a exposição de outro museu. Idealizada pelo crítico brasileiro Mário Pedrosa e pela artista plástica Lygia Pape, a mostra "Alegria de viver, alegria de criar" apresentaria a arte dos índios brasileiros e, segundo Pedrosa, seria entendida como uma forma de "reparação histórica, moral, política e cultural". Pedrosa e Pape haviam idealizado a exposição para o Museu de Arte Moderna, localizado, assim como o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Em sua primeira década, o MAM Rio havia defendido o movimento neoconcreto ao qual Pape pertencia e em cujo nome Pedrosa defendia; distanciando-se do que viam como o racionalismo extremo da arte concreta, os artistas neoconcretos almejavam, como escreveram em seu manifesto de 1959, abraçar o "potencial expressivo" da arte. Para Pape (que, como vários artistas neoconcretos, também pertencera ao movimento antecessor) e Pedrosa, esse potencial foi exemplificado pelos objetos que pretendiam mostrar. Como disse Pape em entrevista, as obras dos artistas indígenas foram feitas "com alegria". Mas "Alegria de viver, alegria de criar" nunca aconteceu. No verão antes de sua inauguração, o MAM Rio pegou fogo e quase todo o seu acervo foi destruído. Essa repetição da tragédia – 1978, 2018 – é estranha e sugere que o trágico tem um padrão. O que parece estranho e distante torna-se familiar e urgente para o presente.

O movimento neoconcreto teve uma vida notoriamente curta, essencialmente moribundo alguns anos após a publicação do manifesto. Quando um golpe apoiado pelos Estados Unidos depôs o presidente esquerdista do Brasil em 1964 e instalou uma ditadura militar que durou 21 anos, Lygia Clark, Ferreira Gullar e outros artistas centrais do movimento fugiram. Pape ficou. Entre seus pares, Pape sempre se destacou por ter ficado para trás. Durante os anos neoconcretos, ela se dedicou a um meio aparentemente ultrapassado com o qual estava envolvida desde o início dos anos 1950: a xilogravura. Os jornais a destacaram, muitas vezes simplesmente chamando-a de gravadora, ou gravadora. Mais tarde, Pape teorizaria essas obras como base para toda a sua obra, que passou a abranger filme, instalação e performance participativa. Como explica a historiadora de arte Adele Nelson em seu livro Forming Abstraction: Art and Institutions in Postwar Brazil (2022), Pape "concebeu a gravura como base conceitual para sua prática artística... obras de arte participativas" e, em vez disso, propôs que "impressões - isto é, obras de arte estacionárias - podem ativar uma experiência experiencial e fenomenológica para o espectador".

Muito menos estudadas do que sua produção posterior, as xilogravuras de Pape dos anos 50, que ela chamou retroativamente de "Tecelares", são finalmente objeto de uma ampla exposição. Com curadoria de Mark Pascale e em exibição até 5 de junho no Art Institute of Chicago, ele apresenta quase uma centena de obras, muitas das quais danificadas e cuidadosamente restauradas por uma equipe liderada por María Cristina Rivera Ramos. Ainda assim, como trabalhos frágeis sobre papel, eles apresentam sinais de idade que anunciam seu status de artefato e solicitam historicização. Eles foram produzidos contemporaneamente ao ambicioso plano do presidente brasileiro Juscelino Kubitschek para uma rápida industrialização ("cinquenta anos de progresso em cinco"), um empreendimento maciço que incluiu a construção do zero de uma nova capital, Brasília. Os edifícios curvilíneos de concreto armado de Oscar Niemeyer são os monumentos emblemáticos do utopismo modernista tardio e, por essa mesma razão, as estruturas de Brasília - emblemas de um projeto de modernização nacional alimentado pelo intenso desmatamento de corte e queima na Amazônia próxima - também adquiriram um significado mais sombrio como cenotáfios para todo o projeto de modernidade, que, afinal, nos trouxe a esta época, em que tudo parece virar fumaça. As xilogravuras de Pape indexam, prenunciam e tentam prevenir a crise de incêndio em que agora nos encontramos engolfados.

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